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Saúde mental no mar: é hora de uma mudança cultural

Nunca foi tão urgente reconhecer o impacto da saúde mental e física em nós próprios e naqueles que trabalham connosco. No setor offshore, falamos frequentemente sobre saúde e segurança no local de trabalho, mas a conversa continua predominantemente focada nos riscos físicos. Estamos treinados para prevenir quedas, responder a incêndios e evitar acidentes com máquinas. E embora isto seja crucial, o mesmo não se pode dizer da saúde mental, uma área em que a indústria ainda tem um longo caminho a percorrer.

Foram dados passos importantes nos últimos anos, e a saúde mental já não é um assunto totalmente tabu. No entanto, apesar da crescente consciencialização e de alguns progressos, problemas como o esgotamento, a ansiedade e até o suicídio continuam a ser comuns no setor. Isto não pode continuar a ser visto como uma preocupação marginal. A saúde mental deve tornar-se uma prioridade clara e colectiva em todo o sector.

Viver e trabalhar no estrangeiro: uma tempestade perfeita para a tensão mental

A natureza do trabalho offshore apenas amplifica estas preocupações. As estatísticas mostram que uma em cada seis pessoas enfrentará um problema de saúde mental no próximo ano – e os trabalhadores offshore enfrentam riscos ainda maiores devido às condições específicas do seu trabalho. A vida no mar é exigente e isolada. Os trabalhadores são geralmente alocados a ambientes remotos e extremos durante semanas a fio. Operam em turnos rotativos que interrompem os ciclos de sono e desgastam os limites entre a vida profissional e a vida pessoal. A privacidade é escassa, com cabines partilhadas e espaços comuns, deixando pouco espaço para descanso ou descompressão mental. Além disso, a consciência constante dos riscos no trabalho, das condições climatéricas adversas e dos riscos de emergência acrescenta uma camada contínua de tensão.

Devemos também reconhecer o custo emocional da separação prolongada da família e da comunidade. O trabalho offshore pode causar imensa pressão nos relacionamentos e no bem-estar pessoal. Embora possa ser irrealista esperar que a estrutura do trabalho offshore mude drasticamente — turnos longos e locais remotos são inerentes ao trabalho — é totalmente realista e absolutamente necessário garantir que cada trabalhador recebe apoio profissional e emocional.

Primeiros Socorros Psicológicos: Uma Resposta Humana às Lutas Humanas

Então, por onde começamos? A mudança começa geralmente com aqueles que estão fisicamente mais próximos do problema. Neste caso, são os próprios trabalhadores offshore — aqueles que vivem e trabalham lado a lado — que estão melhor posicionados para reconhecer o sofrimento uns dos outros e agir. É aqui que os Primeiros Socorros Psicológicos (PSP) se tornam vitais.

Os Primeiros Socorros Psicológicos não são terapia. É um conjunto de ações humanas simples, concebidas para reduzir o sofrimento emocional imediato e ajudar as pessoas a sentirem-se seguras, conectadas e apoiadas. Trata-se de saber como responder quando um colega demonstra sinais de exaustão emocional, pânico ou sobrecarga. Em ambientes offshore, onde o acesso a serviços profissionais de saúde mental pode ser atrasado ou indisponível, o PSP torna-se uma ferramenta essencial de segurança entre pares.

Os princípios básicos dos Primeiros Socorros Psicológicos podem ser organizados em seis áreas de ação: Proteger, Acalmar, Conectar, Competência, Confiança e Cuidar – como base para apoiar os outros durante o stress e a crise.

Mas a segurança psicológica não pode depender apenas da consciência individual. O isolamento no mar dificulta a detecção precoce de problemas de saúde mental, o que significa que a responsabilidade deve ser coletiva. A construção de um ambiente de apoio depende da criação de uma cultura em que a vulnerabilidade não seja vista como fraqueza, mas como força. E essa cultura deve ser modelada de cima para baixo.

Um apelo à ação: educação, liderança e mudança cultural

A liderança desempenha um papel fundamental. O progresso a longo prazo depende da incorporação da saúde mental na formação e certificação de todos os profissionais offshore. A sensibilização para a saúde mental e o PFA devem tornar-se partes padrão da educação offshore, e não extras opcionais. Os trabalhadores precisam de aprender a identificar os fatores de stress emocional, a reconhecer os sinais de sofrimento e a tomar medidas responsáveis. Isto inclui formação para gestores e supervisores, que devem compreender como criar ambientes psicologicamente seguros onde as pessoas se possam manifestar, pedir ajuda e sentir-se apoiadas.

Felizmente, já existem algumas iniciativas promissoras em curso. Algumas empresas estão a começar a incorporar a saúde mental nos seus programas de saúde e segurança no trabalho. As Instituições de Educação e Formação Vocacional (VET) estão a explorar módulos que abordam os riscos psicológicos em empregos de elevado stress. Alguns programas de liderança introduzem componentes sobre a inteligência emocional e o apoio dos pares. Mas ainda estamos longe de uma cultura coerente e abrangente de priorização da saúde mental em todo o setor.

Para as instituições de ensino e formação, o passo seguinte é claro: os cursos devem incluir não só as competências técnicas e de segurança exigidas no mar, mas também conhecimentos básicos sobre saúde mental e prevenção. A colaboração entre disciplinas técnicas e departamentos de psicologia pode ajudar a garantir que o bem-estar mental é integrado a todos os níveis – desde programas universitários a integrações no local de trabalho. Além disso, a investigação sobre o impacto psicológico do trabalho offshore deverá continuar a informar melhores políticas e modelos de formação.

As empresas também têm o dever de agir. Os departamentos de RH, supervisores e líderes de equipa devem estar equipados com o conhecimento e as ferramentas para reconhecer sinais de ansiedade, depressão e isolamento. Os gestores devem promover uma cultura de abertura e apoio emocional, onde o bem-estar mental seja tratado com a mesma importância que a segurança física. Os profissionais de saúde mental dedicados, ou seja, psicólogos com formação em prevenção e intervenção de crise, devem fazer parte do ecossistema da força de trabalho, quer internamente, quer através de parcerias formais; estes serviços devem ser acessíveis e normalizados.

Em última análise, o sector offshore necessita de uma transformação cultural. E a cultura não muda de um dia para o outro – move-se gradualmente, através da educação, da liderança, da comunicação e do exemplo. Move-se quando os valores são redefinidos, quando a vulnerabilidade é aceite e quando o bem-estar mental é entendido não como uma preocupação privada, mas como uma responsabilidade partilhada.

Num mercado de trabalho desafiante, os serviços de saúde mental e a educação podem também desempenhar um papel fundamental na atração e retenção de profissionais qualificados. Os trabalhadores de hoje procuram mais do que bons salários e formação técnica; procuram apoio, estabilidade e propósito. Se queremos construir uma força de trabalho offshore resiliente e preparada para o futuro, precisamos de construir uma cultura que dê prioridade à saúde mental.

Então perguntamo-nos: estamos realmente a tratar os nossos trabalhadores como o nosso bem mais valioso? Estamos realmente a fazer tudo o que podemos para criar ambientes seguros e saudáveis ​​em alto mar? E que tipo de legado queremos deixar aos que aí vêm?

A vulnerabilidade é a nossa arma mais forte — e a medida mais verdadeira de coragem.


Maria Miguel Rodrigues
Membro do consórcio SHOREWINNER
Psicóloga (licença n.º 025882 da Ordem dos Psicólogos Portugueses)
E-mail: maria.rodrigues@inova.business

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